(texto de José Luís Cardoso e José Pedro Paiva publicado no jornal Público a 18 de Novembro de 2020)
Foi com algum espanto que tomámos conhecimento dos
resultados do último concurso de projetos da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (FCT), ao qual nenhum de nós foi concorrente, na área científica da
História e Arqueologia. Não falamos em defesa de causa própria. Move-nos,
simplesmente, o interesse em afirmar a dignidade académica e científica de uma
disciplina que cultivamos e que sai profundamente abalada com os resultados
agora tornados públicos.
Os dados são claros e inequívocos. Num total de 142
projetos submetidos a avaliação, foram aprovados oito para financiamento. O
número reduzido de projetos aprovados para financiamento é um problema comum a
todas as áreas do concurso, conforme tem vindo a ser referido a alertado
por diversos
membros da comunidade científica.
Todavia, não é apenas o baixo número de projetos com
financiamento proposto nesta área que nos preocupa. Com efeito, a leitura dos
títulos dos oito projetos aprovados faz ressaltar a prevalência de domínios
historiográficos (arqueologia, história antiga e medieval, ciência e tecnologia
aplicadas ao estudo do património histórico) que não têm correspondência alguma
com a dinâmica de pesquisa nas principais unidades de investigação e
departamentos de História das universidades portuguesas.
É incompreensível que não tivesse sido proposto para
financiamento nenhum projeto na área da História Moderna e somente um no âmbito
da História Contemporânea, não se valorizando ainda campos consagrados como são
os da história política, social, económica e cultural, ou da história das
instituições e dos impérios, para citarmos apenas os casos mais óbvios de
exclusão.
Esta constatação é agravada pelo facto de que, na
listagem de projetos não propostos, ou nem sequer elegíveis para financiamento,
todas as áreas acima referidas se encontram razoavelmente cobertas com
candidaturas apresentadas, algumas delas subscritas por investigadores
responsáveis com amplas provas de reconhecimento académico, quer em unidades de
I&D, em Portugal e no estrangeiro, quer nos departamentos de História das
universidades portuguesas. Aliás, é confrangedor verificar que não há docentes
do ensino superior em História que tenham visto propostas aprovadas
para financiamento, o que, evidentemente, é um
terrível sinal que decorre destes resultados.
A consulta da lista dos 13 membros do painel de
avaliação retirou-nos qualquer razão de espanto ou motivo para pensar que a
decisão poderia ter sido muito diferente. A presença maioritária de
especialistas em arqueologia (4), numismática e história antiga (2) e filologia
antiga (2), demonstra bem a impossibilidade de o júri cumprir a função que lhe
era exigida: avaliar com competência e imparcialidade as candidaturas
submetidas a concurso. Acresce que as/os historiadoras/es que integraram o
painel não são bons conhecedores de História de Portugal, aspeto que não
deveria deixar de ser ponderado na constituição de um painel de avaliação nesta
área.
Não está de modo algum em causa a competência
específica dos membros do painel nos nichos historiográficos que representam.
Nem a qualidade dos projetos que foram alvo da sua escolha. O que se questiona
é a objetividade de um processo de avaliação que produz efeitos danosos e
altamente desprestigiantes para as universidades e a comunidade historiográfica
nacional, em vez de estimular o desenvolvimento de projetos científicos
qualificados.
Já endereçámos uma mensagem à senhora presidente da FCT, que, gentilmente, respondeu dando conta de que as
nossas preocupações não deixariam de ser ponderadas no interior da instituição.
Não obstante, e perante o ambiente instalado entre a comunidade
historiográfica, cremos ser útil alertar a sociedade em geral para os riscos
que corremos se, no futuro, forem perpetuados processos de avaliação que
conduzam a resultados deste teor. E por isso perguntamos: será desejável um
país sem investigação sobre épocas cruciais do seu passado?